sábado, 26 de outubro de 2013

O TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL NA ESFERA ESTATAL – Raquel Raichelis

Raquel Raichelis
Professora na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC/SP

Analisar a profissão e os desafios do projeto profissional na esfera estatal supõe apreendê-los na dinâmica sócio-histórica, que configura o campo em que se desenvolve o exercício profissional e problematizar as respostas profissionais – teóricas, técnicas e ético-políticas – que traduzem a sistematização de conhecimentos e saberes acumulados frente às demandas sociais dirigidas ao Serviço Social.

As premissas que orientam a análise do Serviço Social inserido na dinâmica da vida social:
A primeira premissa é que as profissões são construções históricas que somente ganham significado e inteligibilidade se analisadas no interior do movimento das sociedades nas quais se inserem.
Ás condições propícias à profissionalização do Serviço Social (e de tantas outras profissões) foram criadas a partir da crescente intervenção do Estado capitalista nos processos de regulação e reprodução social, por meio das políticas sociais públicas.

É esse processo, indutor da presença de um crescente conjunto de instituições sociais, que cria o espaço ocupacional para o Serviço Social emergir como profissão, no contexto em que a questão social se põe como alvo da intervenção do Estado, por meio das políticas sociais públicas.

A segunda premissa é a particularidade do Serviço Social como profissão, de intervir nos processos e mecanismos ligados ao enfrentamento da questão social, em suas mais agudas manifestações, que se renovam e se atualizam diante das diferentes conjunturas sociopolíticas. Trata-se de novas e velhas questões derivadas da desigualdade social, características do capitalismo monopolista, em suas múltiplas faces e dimensões, com as quais os assistentes sociais convivem no cotidiano profissional.

A crescente centralização das políticas sociais pelo Estado capitalista, no processo de modernização conservadora no Brasil, gera o aumento da demanda pela execução de programas e serviços sociais, impulsionando a conexão entre política social e Serviço Social no Brasil e a consequente expansão e diversificação do mercado profissional.

Essas ponderações nos levam à terceira premissa, relativa ao fundamento da profissionalização do Serviço Social, a partir da estruturação de um espaço socioocupacional determinado pela dinâmica contraditória que emerge no sistema estatal em suas relações com as classes e suas distintas frações, e que transforma as sequelas da questão social em objeto de intervenção continuada e sistemática por parte do Estado.

A quarta premissa é que a centralidade do Estado, na análise das política sociais, não significa reduzi-las ao campos de intervenção estatal, uma vez que para a sua realização participam organismos governamentais e privados que estabelecem relações complementares e conflituosas, colocando em confronto e em disputa necessidades, interesses e formas de representação de classes e de seus segmentos sociais.


A quinta premissa é que a reflexão sobre o trabalho do assistente social na esfera estatal remete necessariamente ao tema das relações, ao mesmo tempo recíprocas e antagônicas, entre o Estado e a sociedade civil, uma vez que o Estado não é algo separado da sociedade, sendo, ao contrário, produto desta relação, que se transforma e se particulariza em diferentes formações sociais e contextos históricos.

Para finalizar, a última premissa destaca que embora seja frequente observar o tratamento das categorias Estado e governo como sinônimos – considerando que é o governo que fala em nome do Estado – esse uso indiscriminado pode gerar confusões com graves implicações políticas (uma delas é supor que assumir o poder governamental é equivalente a conquistar o poder do Estado).

A esfera da produção é palco de intensas transformações e re-estruturações. Afirmam-se as condições estruturais do capitalismo global financeirizado e o fabuloso desenvolvimento tecnológico e informacional, que promovem intensas mudanças nos processos e relações de trabalho, gerando terceirização, subcontratação, trabalho temporário, parcial e diferentes formas de precarização e informalização das relações de trabalho, para citar apenas algumas das profundas mudanças em curso na esfera da produção e no mundo do trabalho.

No âmbito estatal, o retraimento das funções do Estado e a redução dos gastos sociais vêm contribuindo para o processo de desresponsabilização em relação às políticas sociais universais e o consequente retrocesso na consolidação e expansão dos direitos sociais.

As consequencias dessa forma de condução das políticas para o trabalho social são profundas, pois a terceirização desconfigura o significado e a amplitude do trabalho técnico realizado pelos assistentes sociais e demais trabalhadores sociais, desloca as relações entre a população, suas formas de representação e a gestão governamental, pela intermediação de empresas e organizações contratadas; além disso, as ações desenvolvidas passam a ser subordinadas a prazos contratuais e aos recursos financeiros destinados para esse fim, implicando descontinuidades, rompimento de vínculos com usuários, descrédito da população para com as ações públicas.

No âmbito da sociedade civil, as duas últimas décadas vêm sendo palco de múltiplas tendências que se expressam com grande visibilidade, ganhando a opinião pública: o crescimento das ONGs e as propostas de parcerias implementadas pelo Estado em suas diferentes esferas, principalmente nos planos municipal e local.


Nesse contexto, dissemina-se, simultaneamente, uma versão comunitarista de conceber a sociedade civil, que passa a ser incorporada como sinônimo de “terceiro setor”. A sociedade civil, nesses termos, é definida como um conjunto indiferenciado de organizações, identificadas sob a denominação genérica de entidades sem fins lucrativos, passando por cima das clivagens de classe, da diversidade dos projetos políticos e das instâncias de representação política como sindicatos e partidos. Reitera-se a noção da comunidade abstrata, valorizando-se relações de solidariedade social e ajuda mútua, despolitizando-se os conflitos sociais em nome de um suposto bem-comum.

Diante do esvaziamento do espaço público contemporâneo e do crescimento de demandas sociais não atendidas, o risco é o de fragmentação da sociedade civil em múltiplas ações e movimentos que não conseguem articular-se em torno de projetos coletivos a serem confrontados e explicitados.

O Serviço Social tem uma rica trajetória de trabalho direto com a população e proximidade com o seu modo de vida no cotidiano. Nesses últimos anos, porém, com refluxo dos movimentos populares e o enfraquecimento das instâncias coletivas de representação política, o trabalho de mobilização e organização popular cedeu lugar a formas institucionalizadas de participação.


Impactos e avanços na esfera pública somente serão possíveis pela articulação dos variados sujeitos e organizações governamentais e não-governamentais, como os conselhos de direitos, tutelares e de gestão, os fóruns e órgãos de defesa dos direitos, o poder judiciário, o Ministério Público, as defensorias e ouvidorias públicas, em uma efetiva cruzada pela ampliação de direitos e da cultura pública democrática em nossa sociedade.

É necessário ressaltar que, apesar de todos os obstáculos encontrados no exercício profissional, a categoria dos assistentes sociais vem construindo uma história de lutas e de resistência, apostando no futuro, mas entendendo que ele se constrói agora, no tempo presente.


Para isso, é fundamental continuar investindo na consolidação do projeto ético-político do Serviço Social, no cotidiano de trabalho profissional, que caminhe na direção do desenvolvimento da sociabilidade pública capaz de refundar a política como espaço de criação e generalização de direitos.


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