sexta-feira, 23 de agosto de 2013

A VIOLÊNCIA EM BOM JESUS DO ITABAPOANA/RJ

MARCELO SILLES
ASSISTENTE SOCIAL COM BACHAREL DA UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE-UFF/RJ & RAPPER.

“....... me persegue até o fim
Nesse momento minha coroa ta orando por mim.
É assim demorou já é,
Roubaram minha alma, mas não levaram a minha fé.
Não consigo nem olhar no espelho
Sou combatente coração vermelho.
Minha mina de fé ta em casa com o meu menor
Agora posso dá do bom e melhor.
Várias vezes me senti menos homem
Desempregado e meu moleque com fome.
É muito fácil vir aqui me criticar
Sociedade me criou agora manda me matar.
Me condenar e morrer na prisão
Virá noticia de televisão.
Seria diferente se eu fosse mauricinho
Criado a sustagem e leite ninho.
Colégio particular depois faculdade não, não é essa minha realidade.
Sou caboquinho comum, com sangue no olho
Com ódio na veia soldado do morro.
Feio e esperto com uma cara de mal
A sociedade me criou mais um marginal.
Eu tenho uma nove e uma HK
Com ódio na veia pronto para atirar.” (Soldado do Morro, MV Bill)

É muito inoportuno e chega a ser uma situação jocosa os relatos dramáticos da situação da violência em Bom Jesus do Itabapoana-RJ. Não estou aqui para defender aqueles que praticam, mas sim de tentar fazer uma análise e desconstruir um paradigma que está sendo imposto por indivíduos ditos do “bem” que do bem não têm nada. Não sou fã e não defendo criminoso, porque se for para debater analiticamente a classe criminosa eu teria que dessecar esse termo em diversas partes, pois em nossa sociedade existem diversos tipos de criminosos. Mas irei basear-me, portanto, nos criminosos ditos comuns: pobres, pretos, periféricos, favelados.

O meu professor e mestre Hélio Coelho que leciona na Universidade Federal Fluminense-UFF/RJ, instituição onde cursei e me formei em Serviço Social, ao participar da minha banca expressou-se no dia: ”quando vamos a Bom Jesus do Itabapoana-RJ, nas partes centrais, podemos observar bem uma cidade de colonização branca européia, não se vê praticamente negros. Você, Marcelo, com o seu TCC nos trouxe uma outra realidade.”

Então vamos a nossa análise. Primeiramente antes de tudo, toda a escalada de violência (furtos, roubos, física, entorpecentes) é culpa irrestrita da sociedade, a construção da violência faz parte do embrionário societário. Portanto a violência é algo gerado e criado pela própria sociedade. Como afirmo isso? Pelo histórico de construção do Brasil: escravidão, genocídios, exploração, racismo, discriminação, marginalização, segregação, corrupção etc. Aí me vem um cidadão bonjesuense culto e diz: “mas não tenho culpa dessa tal construção, o que passou, passou temos que pensar no agora.” E eu respondi: “Ok, mas porque você fica por aí dizendo que sente falta dos anos áureos de Bom Jesus do Itabapoana, então vamos esquecer os anos áureos e pensar no futuro. Os inocentes pagam pelos pecadores.”

A relação de senhorio e a perda desse prestígio representam um dos fatores para o crescente desenvolvimento da violência em nossa região. Qualquer surgimento de uma sociedade no decorrer de seus anos sofre mutações culturais e societárias, isso é algo imutável. Portanto tentar frear bruscamente através de ideologias conservadoras e arcaicas essas transformações é algo de uma mentalidade insana. Durante os tempos ditos áureos de Bom Jesus do Itabapoana-RJ, a gestação do progresso e do desenvolvimento humano foi forçada a sofrer um aborto social, sendo assim impedida de dá a luz ao que podia ser uma prevenção dos males que assim se seguiram, no entanto restrito apenas as regiões margeadas, periféricas. Numa clássica posição paternalista e assistencialista os conservadores e a sociedade em prol pensaram que estariam a salvos desses males se os mantivessem longe de seus arredores.

Não permitir o nascimento do progresso humano e o seu desenvolvimento social sadio com um intervencionismo que garanta uma dignidade social justa, é um dos maiores erros e crimes que uma sociedade conservadora/neoliberal pode cometer. Acreditar que seres humanos nascem para servir e outros para serem servidos assim posso dizer, é de uma bestialidade tamanha. O resultado, portanto é o que vemos hoje. O progresso e desenvolvimento humano precoce de Bom Jesus do Itabapoana/RJ. Sem o acompanhamento e cuidados adequados, sem a intervenção social que deveria ter tido o progresso e desenvolvimento humano vai crescendo de acordo com a forma e adequação da atual sociedade. Se não existiu oportunidades e incentivos o exemplo é “eu aprendo com quem está mais próximo”. Abriram os portões para o desenvolvimento das grandes metrópoles, sem uma estrutura humana adequada, o diagnóstico social apontado para Bom Jesus do Itabapoana/RJ é o de grave crise social e humana.

Humana porque, aqueles que cantam pelos sete ventos a canção “ó Bom Jesus, terra de hospitalidade” pertencem às classes abastadas, não fazem parte diretamente daqueles que são atingidos pela crise social. Esses indivíduos abastados, há anos já enviavam seus filhos para estudarem fora obtendo diplomas das melhores faculdades e cursos. Os que não nasceram abastados ou sendo as margens, tinham que aceitar o que os senhorios lhes davam, ou seja, o assistencialismo e o paternalismo, a caridade em troca do senhorio, o não senhor e o sim senhor.

Social porque é clara e evidente territorialmente as famílias e os cidadãos que sofrem com essa violência. Já sofriam desde o nascimento da cidade de Bom Jesus do Itabapoana/RJ com a discriminação e manutenção da segregação institucional velada, com o impedimento do nascimento do progresso e o desenvolvimento humano, e hoje sofrem com as violências que aterrorizam as famílias cotidianamente, drogas, prostituição, ausência de valores (não me refiro a valores religiosos e conservadores mais valores que sempre foram criminalizados por serem valores periféricos) e a humilhação de assistirem seus filhos sendo carimbados como “criminosos”. Criminosos esses, criados pela própria sociedade que os criminaliza e os condena.  
A história sempre deixou registrada documentalmente e oralmente o percurso e condições em que a violência urbana percorreu e se criou e de como esse sistema tentou ser mantido em um único espaço através de políticas mantenedoras e promovedoras da própria violência urbana em seu espaço rústico-urbano. Dá-se a entender, que esse processo de manutenção proposital perpassa a política de higienização e dizimação social desde a formação do Brasil, processo em que consiste manter os indivíduos indesejáveis e aquém da sociedade dita do “bem” em seus territórios aplicando a auto-segregação. Violência gratuita e manipulada para os deleites dos cidadãos do “bem”.

A violência foi produzida de uma forma peculiar, administrada por um tempo por indivíduos da elite na qual pensavam que poderiam adestrá-la e assim sendo mantê-la sob seu controle. Mas o que se viu e vê foi uma escalada desenfreada da mesma que ao perceber sua dimensão era tarde demais. Agora como conseguir parar algo que nós mesmos criamos e adestramos? Pergunta a sociedade refém de sua própria violência. Pergunta a sociedade dita do “bem” de Bom Jesus do Itabapoana/RJ refém de sua própria violência. Racismo, desigualdade social e injustiça social também são as responsáveis pela violência que vivemos hoje, se o senhor do “bem” não sabe.

Lamentar por águas passadas e ser saudosista, tudo bem direito de cada um. Mas querer culpar indivíduos pelos seus atos individuais apenas, quero deixar claro que não estou o isentando de sua culpa, sem levar em conta a construção histórica das relações de classe e formação desse ambiente violento, é um tanto que injusto.

E segundo Educação vem de berço? Posso afirmar que isso seja relativo. A criança passa por quatro fases de sua educação: a família, a escola, a igreja e a rua. Aí te pergunto como exigir dos pais que eduquem seus filhos de acordo com a moral cristã-eurocêntrica se os mesmos foram educados sobre opressão da mesma? Foram criados segundo os costumes de outros e não dos seus? Foram criados conforme as regras e leis “manda quem pode obedece quem tem juízo”?

Sendo assim, criação com formação opressora cria indivíduos distantes da realidade e suas transformações. Pais pobres com formações conservadoras-opressoras quando educam seus filhos, educam na forma que foram educados em determinada época, portanto não acompanham as transformações que ocorrem no mundo. Portanto educação vir de berço é relativo. Pode ser que funcione como pode ser que não, dependerá da formação de cada caráter. Dependerá de saber a distinção de certo e errado, em casos em que o certo é errado e o errado é o certo. Certo e errado, o bom e o mal são infinitas incógnitas.

Olhemos e analisemos o passado para podermos realmente julgar, condenar e culpar os verdadeiros culpados pela sociedade violenta a qual vivemos, não nos direcionemos somente a um indivíduo e suas associações.

“Todos os homens nascem bons, as sociedades que os corrompem.” (Rosseau).